2.1.05
Sentimento de Ano Novo
Cá estamos, entrados em 2005, com esperança de que este ano venha a revelar-se de melhor catadura do que o de 2004, fechado com resignado semblante.
No plano político, 2004 foi um desastre para Portugal e para alguns portugueses, que viram minguar, ainda mais, a réstea de orgulho que abrigam no peito, quase só pelas glórias passadas.
No plano económico, continuámos na ilusão da retoma que nos anunciaram que vinha, ali ao dobrar da esquina, mas que, afinal, não apareceu. Sumiu-se, depois do Euro 2004, que esteve quase no papo, mas logrou escapulir-se-nos, ingrato e faccioso, a buscar refúgio no regaço grego, que também nisto nos haveria de ultrapassar.
Objectivamente, foi bom, porque alcançámos o segundo lugar, mas para o nosso imaginário foi escasso, porque estivemos a um passo da glória e deixámo-la fugir, para alguém que considerávamos menos capaz.
Começa a ser irritante. No tempo do Cavaco, a Grécia ainda era a nossa consolação : vinha sempre depois de nós, nas estatísticas económicas.
Na Indústria, também não conseguimos progredir. Dá muito trabalho, é preciso saber alguma ciência, dominar algumas técnicas, conhecer tecnologias. Tudo coisas demoradas de aprender, chatas por sistema, com fórmulas ainda por cima e muito pouco mediáticas. Preferimos construir Grandes Centros Comerciais, para lá colocarmos os produtos importados, que teremos de pagar com língua de palmo.
Criámos mais uns milhares de postos de trabalho precários, com contratos precários, de ordenados enfezados, garantidos por muita mão-de-obra estrangeira, solícita e dócil, fugida de ex-paraísos políticos, de países emancipados, enfim «libertados da exploração europeia», ou de outras terras que, ainda há poucos anos, os portugueses demandavam em busca de sustento ou de aventura.
Muito mudou o mundo, nestes últimos 30 anos e, dizem-nos, nunca fomos tão ricos, tão cercados de bens e de comodidades. Por que experimentamos então esta sensação de incompletude ? Precisaremos do nosso regresso às Serras, como o enfastiado Jacinto, da criação queiroziana ? A explorar em crónicas futuras.
No plano cultural, pouco houve também de exaltante. O Lobo Antunes voltou a não ganhar o Nobel, apesar da prolixa boa imprensa que continuamente o celebra.
Morreu a Sofia, cuja voz já não teremos o prazer de ouvir, dizendo aqueles poemas com odor a mar, vindos lá dos confins das ilhas helénicas, longamente por ela cantadas, com parcimónia de palavras, na exuberância da sua costumada paixão. Com grande fervor Sofia sempre cantou a Grécia, sobretudo a da natureza agreste, limpa, despojada e a das evocações clássicas. Aqui, verdadeiramente, haverá lugar para a saudade, sentimento extraordinário, como sabemos, que Almeida Garrett tão bem definiu em versos lapidares, no seu, hoje quase esquecido, «Camões», Poema em Dez Cantos :
« Saudade ! gosto amargo de infelizes,
Delicioso pungir de acerbo espinho...»,
num encadeado de contraditórios termos e sentimentos, como só um espírito de eleição consegue enunciar.
Po falar em Almeida Garrett, assinale-se a pobreza da comemoração dos 150 anos da sua morte, que quase passaram despercebidos dos múltiplos meios de comunicação social.Quem lhe lerá, hoje, as suas «Viagens na Minha Terra» ou as suas sentidas «Folhas Caídas» ? Quase só se salva, por obrigações curriculares, o seu dramático e algo profético «Frei Luís de Sousa».
Até quando resistirá, nos programas escolares, este clássico do século xix, antes de vir a ser substituído por leitura contemporânea mais fresca, tirada de alguma revista ou jornal da actualidade, com leitura mais condizente com a mentalidade dos novos tempos, que, naturalmente, não tem paciência para textos que obriguem a pensar e a visitar, de vez em quando, o decorativo Dicionário, livro pesado que custa a fazer sair da estante.
Veremos se não levará o mesmo destino do Bernardim Ribeiro, do António Ferreira, do Rodrigues Lobo, do Camões, do Bocage, do Herculano, do Camilo e de outros tantos que tiveram a desdita de escrever, em bom português, obras de pensamento elaborado, coisas, parece, pouco apreciadas nos tempos que correm, mais afeitos ao gosto leve, light, no parlar moderníssimo, que, subitamente, se aprimorou no uso do inglês, cujos termos lhe monopolizam a terrível imaginação criadora.
Ai, Portugal, Portugal, que será de ti, nestes dois próximos anos, de eleições intermitentes, com campanhas eleitorais de afogueadas correrias, por feiras e praças, a beijocar peixeiras e criancinhas de colo, que já quase só estes escalões sociais e etários com elas se excitam, sendo que as peixeiras com algum interesse próprio, materialmente simples e concreto, a que, às vezes, acresce o seu chocarreiro gosto, de malícia estudada.
A hipocrisia política, no entanto, manda enfrentar estas cenas com garbo e nem os Professores Universitários delas ousam desdenhar. Deve ser a isto que eles chamam «combate político», «andar no terreno», a «conhecer o país real».
Quem disto descrer, avisa-se logo, corre o risco de ser classificado de anti-democrático ou favorável a regimes autoritários, se não mesmo a bem pior.
Lá teremos de apelar de novo às nossas reservas de longanimidade cristã, para suportar este melancólico espectáculo, que é Portugal a empobrecer, ou a entristecer, como o via o nosso amargurado Pessoa.
Quousque tandem...
AV_Lisboa_02-01-2005 : Parecem já datas da ficção científica de quando éramos miúdos. 2001, Odisseia no Espaço : onde estás tu ?
No plano político, 2004 foi um desastre para Portugal e para alguns portugueses, que viram minguar, ainda mais, a réstea de orgulho que abrigam no peito, quase só pelas glórias passadas.
No plano económico, continuámos na ilusão da retoma que nos anunciaram que vinha, ali ao dobrar da esquina, mas que, afinal, não apareceu. Sumiu-se, depois do Euro 2004, que esteve quase no papo, mas logrou escapulir-se-nos, ingrato e faccioso, a buscar refúgio no regaço grego, que também nisto nos haveria de ultrapassar.
Objectivamente, foi bom, porque alcançámos o segundo lugar, mas para o nosso imaginário foi escasso, porque estivemos a um passo da glória e deixámo-la fugir, para alguém que considerávamos menos capaz.
Começa a ser irritante. No tempo do Cavaco, a Grécia ainda era a nossa consolação : vinha sempre depois de nós, nas estatísticas económicas.
Na Indústria, também não conseguimos progredir. Dá muito trabalho, é preciso saber alguma ciência, dominar algumas técnicas, conhecer tecnologias. Tudo coisas demoradas de aprender, chatas por sistema, com fórmulas ainda por cima e muito pouco mediáticas. Preferimos construir Grandes Centros Comerciais, para lá colocarmos os produtos importados, que teremos de pagar com língua de palmo.
Criámos mais uns milhares de postos de trabalho precários, com contratos precários, de ordenados enfezados, garantidos por muita mão-de-obra estrangeira, solícita e dócil, fugida de ex-paraísos políticos, de países emancipados, enfim «libertados da exploração europeia», ou de outras terras que, ainda há poucos anos, os portugueses demandavam em busca de sustento ou de aventura.
Muito mudou o mundo, nestes últimos 30 anos e, dizem-nos, nunca fomos tão ricos, tão cercados de bens e de comodidades. Por que experimentamos então esta sensação de incompletude ? Precisaremos do nosso regresso às Serras, como o enfastiado Jacinto, da criação queiroziana ? A explorar em crónicas futuras.
No plano cultural, pouco houve também de exaltante. O Lobo Antunes voltou a não ganhar o Nobel, apesar da prolixa boa imprensa que continuamente o celebra.
Morreu a Sofia, cuja voz já não teremos o prazer de ouvir, dizendo aqueles poemas com odor a mar, vindos lá dos confins das ilhas helénicas, longamente por ela cantadas, com parcimónia de palavras, na exuberância da sua costumada paixão. Com grande fervor Sofia sempre cantou a Grécia, sobretudo a da natureza agreste, limpa, despojada e a das evocações clássicas. Aqui, verdadeiramente, haverá lugar para a saudade, sentimento extraordinário, como sabemos, que Almeida Garrett tão bem definiu em versos lapidares, no seu, hoje quase esquecido, «Camões», Poema em Dez Cantos :
« Saudade ! gosto amargo de infelizes,
Delicioso pungir de acerbo espinho...»,
num encadeado de contraditórios termos e sentimentos, como só um espírito de eleição consegue enunciar.
Po falar em Almeida Garrett, assinale-se a pobreza da comemoração dos 150 anos da sua morte, que quase passaram despercebidos dos múltiplos meios de comunicação social.Quem lhe lerá, hoje, as suas «Viagens na Minha Terra» ou as suas sentidas «Folhas Caídas» ? Quase só se salva, por obrigações curriculares, o seu dramático e algo profético «Frei Luís de Sousa».
Até quando resistirá, nos programas escolares, este clássico do século xix, antes de vir a ser substituído por leitura contemporânea mais fresca, tirada de alguma revista ou jornal da actualidade, com leitura mais condizente com a mentalidade dos novos tempos, que, naturalmente, não tem paciência para textos que obriguem a pensar e a visitar, de vez em quando, o decorativo Dicionário, livro pesado que custa a fazer sair da estante.
Veremos se não levará o mesmo destino do Bernardim Ribeiro, do António Ferreira, do Rodrigues Lobo, do Camões, do Bocage, do Herculano, do Camilo e de outros tantos que tiveram a desdita de escrever, em bom português, obras de pensamento elaborado, coisas, parece, pouco apreciadas nos tempos que correm, mais afeitos ao gosto leve, light, no parlar moderníssimo, que, subitamente, se aprimorou no uso do inglês, cujos termos lhe monopolizam a terrível imaginação criadora.
Ai, Portugal, Portugal, que será de ti, nestes dois próximos anos, de eleições intermitentes, com campanhas eleitorais de afogueadas correrias, por feiras e praças, a beijocar peixeiras e criancinhas de colo, que já quase só estes escalões sociais e etários com elas se excitam, sendo que as peixeiras com algum interesse próprio, materialmente simples e concreto, a que, às vezes, acresce o seu chocarreiro gosto, de malícia estudada.
A hipocrisia política, no entanto, manda enfrentar estas cenas com garbo e nem os Professores Universitários delas ousam desdenhar. Deve ser a isto que eles chamam «combate político», «andar no terreno», a «conhecer o país real».
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Lá teremos de apelar de novo às nossas reservas de longanimidade cristã, para suportar este melancólico espectáculo, que é Portugal a empobrecer, ou a entristecer, como o via o nosso amargurado Pessoa.
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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE OSTEOPOROSE
Vimos por este meio exigir a Retirada Imediata da Fotografia do Dr. Sá Carneiro do Poster do PSD, para não lhe destruir os Ossos!
Mais Informações na sua
RIAPA
www.riapa.no.sapo.pt
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Desculpe, António, mas não consegui parar de rir ante suas frases bem achadas, diante da cruel realidade, como quando falou sobre "a mentalidade atual"; sobre o quanto era preciso aprender, com fórmulas tão difíceis,"melhor criar um centro comercial" (foram essas as palavras?). E, para terminar, sua observação da data como ficção científica: Você cita "2001, Uma Odisséia no Espaço", eu me lembro do "1984..." (minha "ficção científica" já está tão avançada que não me lembro o resto do nome desse filme, você se lembra? 1984 parece um ano A.C.!!!!). Ainda estou rindo, e deveria chorar. MUITOS ABRAÇOS.
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